Nota do CFP públicada sobre Resolução CFP nº 12/2011, regulamenta a atuação da(o) psicóloga(o) no âmbito do sistema prisional

NOTA PÚBLICA DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA SOBRE RESOLUÇÃO CFP nº 12/2011

I) O processo democrático de construção da Resolução CFP nº 12/2011.

1. Após a suspensão dos efeitos da Resolução CFP nº 9/2010, o Sistema Conselhos de Psicologia implicou-se na produção de novo momento de discussão sobre a regulamentação de dispositivos éticos sobre a atuação da(o) psicóloga(o) no sistema prisional. 

2. Em 19 e 20 de novembro foi realizado em São Paulo fórum nacional promovido pelo CFP, com a participação de 207 psicólogos e representantes de outras áreas, que serviria para sistematizar uma proposta a ser discutida na Assembleia das Políticas, da Administração e das Finanças (Apaf) de dezembro de 2010. Na coordenação deste Fórum, o CFP compôs um grupo a partir de contribuições de especialistas de entidades da Avaliação Psicológica e da Psicologia Jurídica, como a AsBRo, Ibap e ABPJ. 

3. A partir da sistematização dos debates e encaminhamentos oriundos desse fórum nacional, a Apaf, reunida em Brasília nos dias 11 e 12 de dezembro de 2010, decidiu por prorrogar a suspensão da Resolução n° 9/2010 até junho de 2011, com o objetivo de o Sistema Conselhos de Psicologia aprofundar a discussão sobre o assunto. Além disso, a Apaf determinou que nesse período fossem realizadas audiências públicas, se possível contando com a participação das Comissões de Direitos Humanos das Assembleias Legislativas dos estados da Federação.

4. Nesse ínterim, foram realizadas 12 audiências públicas com ampla participação da categoria, da sociedade civil, dos Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo, sendo uma delas convocada pela Procuradoria Federal do Rio Grande do Sul e as outras organizadas pelos Conselhos Regionais das seguintes unidades federativas: Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Bahia, Maranhão, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. 

5. Além disso, foi criado um Grupo de Trabalho da Apaf composto pelo CFP e conselheiros dos seguintes Conselhos Regionais: 01, 02, 05, 06, 07, 08, 10, 11 e 141, responsável por elaborar minuta de alteração à Resolução CFP nº 9/2010, com base na análise dos encaminhamentos provenientes das audiências públicas, que deveria ser apreciada na Apaf de maio de 2011. 
1 Composição e participação de convidados no GT relativo à Resolução do CFP sobre o Sistema Prisional: representante do CFP (Adriana Eiko Matsumoto e Ana Paula Noronha), consultor Ad Hoc (Salo de Carvalho), representantes dos seguintes Conselhos Regionais: 01 (Álvaro Pereira da Silva Jr.), 02 (Silvana Maria de Santana), 05 (Lia Toyoko Yamada e Márcia Badaró), 06 (José Ricardo Portela), 07 (Maria de Fátima Bueno Fischer e Loiva dos Santos Leite), 08 (Anaides P. da Silva Orth e Fernanda Rossetto), 10 (Ércio da Silva Teixeira), 11 (Adriana de Alencar Gomes Pinheiro) e 14 (Monica Lemgumbrer e Sydnei Ferreira Ribeiro Júnior). 
6. Dessa forma, o Grupo de Trabalho elaborou proposta única de alteração de texto para a Resolução, a qual foi fruto de uma produção de consenso entre todos os membros que o compunham. Assim, o texto da Resolução CFP no 12/2011 foi aprovado em 22/5/2011 pela Apaf, evento que define linhas de ação dos Conselhos e do qual participam todos os Conselhos Regionais e o Federal. 

II) Os pressupostos legais, os “considerandos” e os artigos da Resolução CFP nº 12/2011 

7. A atual concepção de Estado baseia-se na compreensão de que toda a estrutura estatal deve voltar-se para a promoção e a proteção dos direitos humanos (civis, políticos, sociais, econômicos, culturais, difusos e coletivos). O Estado de Direito brasileiro, fundamentado pela Constituição de 1988, reconhece e protege tais direitos, ao estabelecer que “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”.*2
2 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988), Art. 5º, Caput. 

8. A partir dos princípios expostos na Carta Magna de nosso país, deriva-se a necessária orientação de um projeto político de profissão no sentido de produzir intervenções sociotécnicas que efetivamente contribuirão para a construção e o fortalecimento da cidadania plena, da promoção dos direitos, da defesa incondicional da vida e na construção de uma sociedade pautada por relações democráticas. 

É este, pois, o espírito dos “considerandos” que estão expressos na Resolução CFP nº 12/2011. Eles definem, simultaneamente, os pressupostos que devemos respeitar na condução das práticas psicológicas, bem como o horizonte que se quer alcançar no desenvolvimento dessas práticas profissionais, dentro da especificidade posta pelo exercício da Psicologia no âmbito da execução penal (em relação às pessoas presas e às pessoas em medida de segurança). 

9. Os avanços que alcançamos arduamente no que diz respeito à construção e ao fortalecimento de um Estado Democrático de Direito brasileiro perpassa, necessariamente, pela problematização e pela superação das estruturas arcaicas que se radicam na negação dos direitos e que se alicerçam num paradigma de Estado autoritário e, consequentemente, antidemocrático. 

10. Tais estruturas arcaicas encontram expressão não somente na materialidade arquitetônica das instituições manicomiais e prisionais, mas também na produção e na reprodução de saberes e práticas que legitimam a marginalização e contribuem para o processo de exclusão social. Um elemento síntese dessa realidade é a existência do diagnóstico e do prognóstico que alia à questão do sofrimento mental (ainda que sob a denominação de transtorno mental) a ideia da periculosidade e, no caso das(os) presas(os), a elaboração de um “prognóstico criminológico” de reincidência. 

11. Em relação às medidas de segurança, de acordo com os “considerandos” e o “Artigo 1º. Alínea c” da Resolução CFP nº 12/2011, compreender a complexidade inerente ao processo de criminalização, e não avaliar o sujeito que cometeu o ato delitivo unicamente relacionado à sua patologia, não são sinônimos de “desconsiderar a existência de psicopatologia, nem de possibilidade de uma avaliação psicológica que integre dados disposicionais e ambientais”3, nem de exigir “que o psicólogo enfatize os “dispositivos sociais? que promovem a criminalização em detrimento de sua história individual e possível patologia”4, muito menos significa ferir a atenção aos direitos humanos das pessoas presas ou em medida de segurança.
3 Trecho extraído da “Entrevista sobre Resolução do Sistema Prisional”, publicada pelo Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (Ibap) e disponível em: http://www.ibapnet.org.br/.
4 Trecho extraído do texto “O Conselho Federal de Psicologia, seus “considerandos? e suas resoluções”, de autoria de Álvaro Pereira da Silva Jr.
 

12. Ao invés disso, a Resolução CFP n º 12/2011 apresenta claramente os pressupostos éticos para atuação da(o) psicóloga(o) com as pessoas em medida de segurança, os quais são consonantes com as manifestações e resoluções que já foram produzidas por outras instâncias, a saber:
– Relatório final do Seminário Nacional para a Reorientação dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico
– Ministério da Justiça/Ministério da Saúde, 2002; Resolução Conselho Nacional de Políticas Criminais e Penitenciárias (CNPCP) nº 5/2004;
– Resolução Conselho Nacional de Políticas Criminais e Penitenciárias (CNPCP) nº 4/2010;
– Resolução Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nº 113/2010;
– Parecer Final da Comissão da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) sobre medidas de segurança e hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico sob a perspectiva da Lei nº. 10.216/01 – PFDC, 2011; 
– Recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), aprovada em 5/7/2011, para que as penas envolvendo pessoas com problemas de saúde mental possam, sempre que possível, ser cumpridas em meio aberto. 

13. No Artigo 2º, Parágrafo Único da Resolução CFP nº 12/2011, é regulamentada a proibição de que as(os) psicólogas(os) participem dos procedimentos administrativos de apuração de faltas disciplinares, realizados pela unidade prisional e que, posteriormente homologados pelo juiz da execução penal, geram consequências significativas na restrição dos direitos das pessoas presas no cumprimento de suas penas, como, por exemplo, regressão de regime, vedação de progressão e de livramento condicional, obstaculização de indulto, entre outros. 

14. Essa prática está regulamentada na Lei de Execução Penal e nos Regimentos das Secretarias Penitenciárias, de Segurança e/ou de Justiça dos estados. Embora o Ibap afirme que “os psicólogos dispõem de conhecimentos e técnicas próprios que poderiam auxiliar o sistema na avaliação das referidas faltas”5, esclarecemos que, independentemente dos conhecimentos que as(os) psicólogas(os) possam adquirir com o trabalho na execução da pena, a composição de colegiados para julgamento de faltas disciplinares não consiste em prática profissional de atribuição das(os) psicólogas(os) que atuam no sistema prisional brasileiro.
5 Trecho extraído da “Entrevista sobre Resolução do Sistema Prisional”, publicada pelo Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (Ibap) e disponível em: http://www.ibapnet.org.br/. 

15. Ademais, o impedimento previsto na Resolução CFP nº 12/2011 revela a necessária consideração de prática profissional pautada pelo respeito aos direitos humanos das pessoas em cumprimento de pena ou medida de segurança. Assim, para além das questões éticas implicadas na hipótese de a(o) psicóloga(o) compor colegiado com competência para processar e julgar o condenado, a Resolução estimula que a(o) profissional realize, por exemplo, o encaminhamento de denúncias aos órgãos competentes em casos de desrespeito aos direitos humanos das pessoas em privação de liberdade. 

16. O Artigo 3º, alínea d da Resolução CFP nº 12/2011 trata de explicitar que o cargo de gestor(a) ocupado pela(o) psicóloga(o) no sistema prisional não é razão para o descumprimento dos preceitos éticos para o exercício da Psicologia. Uma leitura fidedigna e sem distorções do texto da Resolução não deixa dúvidas de que não há qualquer incitação à(ao) psicóloga(o) para colocar o seu Código de Ética acima da Constituição Federal, entre outras leis, conclusão dada pelo texto do Ibap6. Em nenhum momento há alguma disposição de que o psicólogo deve ferir a Constituição Federal, ao contrário, pois há referências explícitas à Constituição como fundamento para a Resolução. 

17. Em relação à elaboração de documentos escritos, no Artigo 4º, alínea a da Resolução CFP nº 12/2011, a diretriz que o fundamenta advém da aplicação do Artigo 2º,, alínea k do Código de Ética do Psicólogo7, uma vez que veda a atuação como perita(o) ou avaliador(a) em situação que gere consequências negativas para a atividade a ser realizada, notadamente as que configurem vínculo atual ou anterior, seja profissional, seja pessoal, entre a(o) psicóloga(o) e a(o) pericianda(o)/avalianda(o). 

18. Importante dizer que esse tipo de vedação não é exclusivo da categoria, sendo igualmente vedado às(aos) médicas(os) (e no caso da execução das penas e das medidas de segurança, às(aos) psiquiatras). Segundo o Código de Ética Médica, “ser perito ou auditor do próprio paciente, de pessoa de sua família ou de qualquer outra com a qual tenha relações capazes de influir em seu trabalho ou de empresa em que atue ou tenha atuado.”8 

19. É, pois, função precípua do Sistema Conselhos de Psicologia “orientar, disciplinar e fiscalizar”9 o exercício da Psicologia em território nacional e, nesse sentido, tem a autoridade para emitir resoluções que promovam orientação, regulamentação e regulação das práticas da Psicologia de modo a fazer cumprir os objetivos para os quais foi fundado e zelar pelo exercício qualificado da Psicologia na sociedade brasileira. Contudo, a rotina nos processos de trabalho, bem como estabelecimento de procedimentos das equipes diferenciando as práticas a serem desenvolvidas (de acompanhamento e de perícia), são responsabilidades do Poder Executivo e das respectivas Secretarias, que devem gerir o sistema prisional nas unidades federativas do país. Não obstante, tal organização não pode se dar em condições que desrespeitem os preceitos éticos de uma profissão.
6 Idem. 7 Art. 2º – Ao psicólogo é vedado: k) Ser perito, avaliador ou parecerista em situações nas quais seus vínculos pessoais ou profissionais, atuais ou anteriores, possam afetar a qualidade do trabalho a ser realizado ou a fidelidade aos resultados da avaliação.
8 Art. 93, Resolução Conselho Federal de Medicina, nº 1.931/2009, publicada no DOU de 24 de setembro de 2009, Seção I, p. 90.
9 | Lei nº 5.766, de 20 de dezembro de 1971: Cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Psicologia e dá outras providências.
 

20. A questão que se põe nesse contexto é a seguinte: é possível realizar uma atuação como perita(o) ou avaliador(a) sendo esta(e) mesma(o) profissional responsável na unidade em que está vinculada(o) para o acompanhamento e a atenção psicossocial, sendo, portanto, “profissional de referência” para a unidade prisional? Haverá condições para o exercício de perícia e de avaliação, a partir dos requisitos constantes no código de ética no que diz respeito aos elementos que podem configurar interferência negativa aos propósitos da avaliação/perícia? 

21. É partindo dessas ponderações que se coloca no horizonte da prática avaliadora no âmbito do sistema prisional a necessidade de separar-se as funções de perito e de psicólogo de referência da população que está em privação de liberdade. 

22. Portanto, se a atuação da(o) psicóloga(o) não se configura ou não se enquadra, em nenhuma hipótese, no conteúdo do que expressa a Resolução CFP nº 12/2011 e no Código de Ética do Psicólogo (Resolução CFP nº 10/2005), ou seja, se esta(e) não é atualmente profissional de referência, e nunca foi anteriormente a referência de acompanhamento para a(o) interna(o) ou a(o) usuária(o) a ser avaliada(o), não estará legalmente impedida(o) de realizar a avaliação psicológica perante o sistema prisional. 

23. Cabe, ainda, destacar os desafios postos na acumulação dessas funções distintas se realizadas pela(o) mesma(o) profissional vinculado a uma só unidade em que, em tese, acompanhará e avaliará como perito parte da população em privação de liberdade. A divisão entre acompanhamento e perícia opera-se, fundamentalmente, como uma organização do processo de trabalho cotidiano, contudo, na emergência de necessidades concretas, muitas vezes esta(e) profissional será acionada(o), por exemplo, para atuar no acompanhamento de casos que não estão dentro da divisão arbitrária de sua responsabilidade para o acompanhamento. Ao estar vinculado a uma unidade prisional, a(o) psicóloga(o) é responsável, necessariamente, pelo acompanhamento psicossocial da população que está em privação de liberdade e custodiada na unidade em que está atuando, como aliás, determina a Portaria Interministerial nº 1.777/2003. Esses limites devem ser observados na assunção de papel de perita(o) e avaliador(a) no âmbito do sistema prisional, que somente em caso de não haver impedimento legal estará autorizada(o) a realizar tal prática. 

24. Quanto ao prognóstico criminológico de reincidência, o Artigo 4º, § 1º da Resolução CFP nº 12/2011 não questiona em nenhum momento a validade preditiva de instrumentos psicológicos a partir do rigor ético e técnico, mas apresenta a vedação para um tipo de prognóstico, o de reincidência criminal, para o qual, inclusive, de acordo com o Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (Ibap), “não há no Brasil testes validados que possibilitem essa predição”10. 

25. Ainda em relação às vedações expostas no Artigo 4º, § 1º, consta o estabelecimento de nexo causal referente ao aporte do binômio delito-delinquente. 

26. De acordo com o Ibap, “a relação entre traço e comportamento é buscada justamente porque o sabemos, por meio de evidências científicas (empíricas), que os traços são relativamente estáveis ao longo da vida e que há comportamentos mais comuns apresentados por pessoas que apresentam um determinado traço mais marcante.”11 

27. O estabelecimento de nexos e a relação entre “traço e comportamento” são elementos fundamentais para a prática da avaliação psicológica, a qual deve estar fundamentada na análise da integralidade e complexidade da subjetividade, e não reduzida à simplificação do binômio ato-personalidade, ou seja, na explicação de possíveis traços de personalidade a partir da relação exclusiva com o ato cometido (o qual é qualificado como crime pelo Código Penal). Vedar à avaliação psicológica o estabelecimento de nexo causal de acordo com o binômio delito-delinquente é transpor para a prática específica da Execução Penal os pressupostos que já estão regulamentados no Código de Ética Profissional do Psicólogo, notadamente os Princípios Fundamentais I, II, III, IV e VII, e nos Artigos 1º, alínea c e 2º, alíneas a, g e h.12
10 Trecho extraído da “Entrevista sobre Resolução do Sistema Prisional”, publicada pelo Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (Ibap) e disponível em: http://www.ibapnet.org.br/.
11 Idem.
12 Princípios Fundamentais: I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos; II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão; III. O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural; IV. O psicólogo atuará com responsabilidade, por meio do contínuo aprimoramento profissional, contribuindo para o desenvolvimento da Psicologia como campo científico de conhecimento e de prática; VII. O psicólogo considerará as relações de poder nos contextos em que atua e os impactos dessas relações sobre as suas atividades profissionais, posicionando-se de forma crítica e em consonância com os demais princípios deste Código”.
 

28. Resta claro, ainda, que isso não significa proibição de pesquisas científicas, estabelecimento de nexo causal, elaboração de prognósticos ou mesmo a desqualificação de possibilidade preditiva dos instrumentos e das técnicas da Psicologia. Ao contrário, trata-se de regulamentar a atuação da(o) psicóloga(o) no processo da Avaliação Psicológica na modalidade de perícia no âmbito do sistema prisional, pois à Psicologia como profissão cabe produzir contribuições técnicas qualificadas e rigorosamente fundamentadas na ciência. 

29. Exatamente em razão da ausência de consenso sobre a possibilidade de realização do prognóstico de reincidência na literatura científica da Psicologia, para além das dificuldades operacionais que profissionais que acreditam nesta possibilidade vêm apontando, o CFP entendeu ser prudente vedar qualquer tipo de análise preditiva no que se refere à reincidência criminal. 

30. Em relação ao Artigo 4º, § 2º da Resolução CFP nº 12/2011, que trata da garantia ao contraditório da pessoa em privação de liberdade ou em medida de segurança, importante referir que o dispositivo reforça os princípios constitucionais do processo penal que entendem o exame criminológico como produção de prova pericial. Na qualidade de prova, deve necessariamente ser realizado a partir do que está disposto na regulamentação profissional da Psicologia, tendo como diretriz os direitos do avaliando/periciando. 

31. Embora o Ibap afirme que o dispositivo do direito ao contraditório exposto na Resolução CFP nº 12/2011 deixe “o psicólogo vulnerável aos ataques da parte contrariada”, esclarecemos que a perícia psicológica necessariamente subsidia decisões judiciais sobre incidentes na execução penal de concessão ou não de um direito previsto legalmente, constituindo-se, portanto como prova. Nesse sentido, a qualquer momento seria possível manifestação crítica da defesa em relação à perícia psicológica, não havendo possibilidade de a Psicologia vedar o direito ao contraditório.
Artigos: Art. 1º – São deveres fundamentais dos psicólogos: c) Prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas à natureza desses serviços, utilizando princípios, conhecimentos e técnicas reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica, na ética e na legislação profissional; Art. 2º Ao psicólogo é vedado: a) Praticar ou ser conivente com quaisquer atos que caracterizem negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão; g) Emitir documentos sem fundamentação e qualidade técnico-científica; h) Interferir na validade e fidedignidade de instrumentos e técnicas psicológicas, adulterar seus resultados ou fazer declarações falsas. 

32. A Resolução reforça o sentido de que a produção de prova pericial deve ocorrer nos moldes da prática pericial já exercida pela Psicologia em outras situações (como Vara da Infância e da Juventude, Vara da Família, Justiça do Trabalho, entre outras), sendo que essa exigência impõe à(ao) profissional o respeito aos direitos da(o) avalianda(o)/pericianda(o), dentre eles o de ser comunicada(o) que:

(a) está ocorrendo uma perícia que instruirá o processo e auxiliará a decisão da(o) juíza(iz);
(b) poderá utilizar o direito ao silêncio, que não poderá ser valorado negativamente pela(o) perita(o);
(c) foram apresentados quesitos pelos sujeitos processuais (promotor(a) de justiça, defensor(a) e juíza(iz)) e que sua Defesa poderá apresentar, caso entenda necessário, perícia particular complementar que expresse contradições ou outros posicionamentos em relação aos resultados da avaliação psicológica pericial;
(d) o respeito ao contraditório implica, igualmente, verificar se a Defesa técnica da(o) pericianda(o)/avalianda(o) apresentou quesitos e comunicar à(ao) magistrada(o) responsável, caso isso não tenha ocorrido.

33. Cabe a cada profissional estar munida(o) de postura crítica e avaliar as demandas feitas em seu trabalho, de modo a encontrar os caminhos que garantam o bom exercício da Psicologia, com fundamentação teórica e técnica, com respeito à(ao) atendido, de modo a promover-lhe liberdade, dignidade, igualdade e integridade, apoiando sua prática nos valores que embasam, inclusive, a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

34. Ainda em relação à elaboração da perícia psicológica, a(o) psicóloga(o) deverá, a partir do regulamentado na Resolução CFP nº 12/2011, responder aos quesitos elaborados pela(o) demandante. A falta dos quesitos dificulta a elaboração da perícia, que objetiva responder às necessidades que demandaram esta avaliação. Assim, é possível à(ao) profissional solicitar (à)ao demandante de seus serviços que formule quesitos que deseja ver respondidos. Caso, mesmo assim, não haja quesitação, pode a(o) psicóloga(o) perita(o) elaborar avaliação com base no mérito da solicitação interposta, sendo, contudo, importante mencionar a falta de quesitação na elaboração do documento a ser encaminhado ao Poder Judiciário. 

35. Sobre as peças que podem compor o processo de avaliação psicológica na modalidade de perícia, com a finalidade de instruir e subsidiar decisões judiciais sobre incidentes na execução penal, os relatórios elaborados pela equipe técnica que atua no acompanhamento da pessoa presa ou em medida de segurança podem ser considerados no processo de avaliação psicológica pericial, inclusive, a partir da garantia do direito ao contraditório.

36. Outrossim, é importante esclarecer que não cabe à(ao) psicóloga(o) que atua no sistema prisional realizar o controle da efetividade do contraditório processual, pois este fazer é de competência exclusiva da(o) juíza(iz). No entanto, atuando como perita(o) em processo de execução penal, deve ter ciência dos limites de sua atuação e dos deveres acima elencados. 

Conselho Federal de Psicologia 
Brasília, 08 de julho de 2011