Manifestação do CRP SP contra o investimento do SUS nas comunidades terapêuticas

O Conselho Regional de Psicologia de São Paulo posiciona-se contra todas as ações de saúde que tratem dos usuários de álcool e outras drogas em instituições com privação de liberdade, que estejam fora da rede de serviços do Sistema Único de Saúde – SUS, que neguem o cuidado de saúde integral, universal e equânime e ferem os princípios de direitos humanos.

As atividades de atenção ao usuário e dependentes de drogas devem visar a melhoria da qualidade de vida e a redução dos riscos e dos danos associados ao uso de drogas, com definição de projeto terapêutico individualizado e ações direcionadas para sua integração ou reintegração em redes sociais, observando os direitos fundamentais da pessoa humana, os princípios e diretrizes do SUS e a Política Nacional de Assistência Social.

O consumo de álcool e outras drogas tornou-se uma preocupação de saúde pública em todo o mundo. No Brasil, atualmente o crack é motivo de grande preocupação tanto da Saúde Pública como de outros setores da sociedade.

Em maio de 2009, com a criação do Plano Emergencial de Ampliação do Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool e outras Drogas – PEAD, inicia-se um esforço de suprir a ausência histórica de políticas de saúde integral ao consumidor de álcool e outras drogas.

O Decreto nº 7.179, de maio de 2010, ao instituir o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras drogas, tenta suprir a deficiência de uma política de saúde integral. Após este decreto, o Ministério da Saúde, em conjunto com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), promove editais que destina, entre outros, apoio financeiro a projetos de utilização de leitos de acolhimento para usuários de crack e outras drogas em Comunidades Terapêuticas.Porém, o nome comunidades terapêuticas abarca toda e qualquer instituição que se proponha a “cuidar” do usuário de álcool e outras drogas na forma jurídica que melhor lhe couber, nos princípios e diretrizes dos proprietários dessas formas jurídicas – ONGS, grupos de auto-ajuda, instituições religiosas. Não se tem sobre as comunidades terapêuticas qualquer tipo de lei ou regulamentação, apenas uma portaria da ANVISA. Desta forma, como se daria o monitoramento, controle e avaliação das ações realizadas nestas Comunidades Terapêuticas?

Em um momento em que a Reforma Psiquiátrica Brasileira vem sendo atacada por setores econômicos estratégicos, assistimos ao investimento em 2.500 leitos em instituições que não fazem parte da Rede Substitutiva de Atenção à Saúde Mental do SUS em detrimento da ampliação do número de CAPS-AD II e III e Leitos em Hospitais Gerais. O que se pode observar é que, em sua grande maioria, as comunidades terapêuticas não promovem ações que visam reconstruir os laços comunitários e a inserção social dos internos; não têm articulação com a rede SUS e SUAS do município; não promovem a construção de um Projeto Terapêutico Individualizado, com a participação do usuário e seu familiar, com alternativas de continuidade após a saída do estabelecimento.

Além disto, ocorre contenção física, isolamento e restrição à liberdade do usuário, que em muitos casos ainda é obrigado a participar de atividades de cunho religioso durante o período de internação. Há internações involuntárias, muitas vezes sem notificação ao Ministério Público; “contenções medicamentosas” sem avaliação e prescrição médica. Estas situações ferem frontalmente o disposto na Lei nº 10.216/01, a Lei da Reforma Psiquiátrica Brasileira, no que diz respeito a práticas manicomiais e de segregação. Todos estes pontos contrariam, inclusive, o próprio Edital nº 001/2010 do Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras drogas.

Portanto, defendemos a internação como último recurso, tal como a Lei da Reforma Psiquiátrica Brasileira estabelece, quando for necessário, que seja breve, realizada em hospitais gerais de referência ou nos serviços especializados da Rede de Saúde, como os CAPS-AD. A falta histórica de leitos e de serviços para pessoas que usam drogas deve ser suprida com o devido investimento em tratamentos e intervenções efetivas como os CAPS e a Rede de Atenção a Saúde Mental Pública (Hospitais Gerais, Casas de Passagem, Residências Terapêuticas, UBSs, Consultório de Rua, entre outros) que ofereça tratamento voluntário, atendimento especializado, interação com a rede intersetorial, família e comunidade, atenção integral e respeito aos direitos humanos. Além disto, deve ser fortalecida a atenção primária, por meio da formação continuada de trabalhadores e da colaboração de equipes de matriciamento, para atuar de modo mais efetivo na prevenção e recuperação do uso abusivo de drogas.

É urgente a efetivação dessa política inclusiva, humanizada, não discriminatória, que garanta o respeito à diferença, à singularidade e à integridade dos sujeitos, ao em vez de investimento em ações de emergência, como o apoio financeiro às comunidades terapêuticas, que muitas vezes acabam por aumentar a exclusão e o estigma vivido pelos usuários de drogas, não garantindo de fato a produção do cuidado necessário aos usuários de álcool e outras drogas.

Conselho Regional de Psicologia SP 
Março/2011.